[1]
Batia a brisa da noite
Mas o peito está quente
Quando se duvida da vida
Dentro da própria mente
O Reflexo lhe dizia
Rebatia no azulejo
Chuveiro aberto para disfarçar
Da morte, cobrava o beijo
Cansado da cobiça
Abraçava a certeza
Era pura Fantasia
A areia é movediça
Pressionava em tristeza
Pressionado em agonia
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Pressionado em agonia
Os olhos vasculharam o vazio
Tateando a ausência de alegria
Conformado, então, dormiu
Sua cama era fria
Pois nem existia
Nada se forçava
A lhe prestar companhia
Alheio a tudo
Pois seu conteúdo
Concentrava-se em si
E se sentia surdo
Era de tanto barulho
Não se fazia ouvir
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Não se fazia ouvir
Mesmo no berro mais alto
Com todo peso do asfalto
O grito cessava ali
Nunca sentia-se raso
Tudo vinha do escuro
Onde não se ouve passo
Onde não se está seguro
Se sentia livre
Livrando a corrente
Que escorria pela pia
Desse jeito vive
Se sentia quente
Enquanto a boca fria
[4]
Enquanto a boca fria
Balbuciava mentiras
Sufocava-se em palavras
Que não provava ou cuspia
Revirava-se na própria pele
Seu cárcere de carne
Sem fogo que o arme
Só solidão que o congele
Metade de si era dor
E a outra espelho
Mesmo ali
Com seu protetor
Nem processava os conselhos
Mentia ao sorrir
[5]
Mentia ao sorrir
Por puro interesse
Queria que parecesse
Conseguir
Era uma fantasia
Que o cobria
E protegia
Autofagia
O papo era bom
Mas não prestava atenção
Sem amigos, sobra medo
Não borraria o batom
Se entregando
Ir embora mais cedo
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Ir embora mais cedo
Ninguém pode saber
Se ficar mais, eu cedo
Submeter-me a perder
Não entendem?
Mas eu nunca expliquei
Não entendem!
Me guardar, é lei
Na cabeça
Para o corpo
Do corpo pra dentro
Que se fortaleça
Que se faça sopro
Pois já não aguento
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Pois já não aguento
Tudo é uma grande festa
E eu sóbrio, sem o direito
“dançar” é o que me resta
Assisto tudo passar
Com uma leve brisa
Leve, fria, lisa
Levando a voar
Meu corpo relaxa
Só fluxo
Sem taxa
Corrente
Em minha mente
Entorpecente
[8]
Entorpecente
Claramente me seduz
Pois já me despia
Até sorria pra luz
Transparente
Presente de serpente
Pleno veneno
Que me faz dormir
Sustenta minha cabeça
Travesseiro
Pois está ausente
Sonhando em camada espessa
Serpenteio
Me sinto doente
[9]
Me sinto doente
É claramente um sinal
Pois se penso, pioro
Me sinto anormal
Anômalo
Célula mutante
Câncer, anônimo
Lápide indigente
Tenho medo de ser carga
Retribuir com falta
Não me procure
Não me larga
Você faz falta
Me cure
[10]
Me cure
Suplicava
Sem opção
Esperava
Mas nada de bote
Sequer um corcel
Que viria a trote
Ou voando do céu
Esticavam a mão
Mas ao segurar
Eram apenas luvas
Palavras em vão
Se ninguém quis ficar
Para se molhar na chuva
[11]
Para se molhar na chuva
Era exigido demais
Muitos propunham
Mas davam para trás
Uns sucumbem junto
Outros perdem a cabeça
Alguns, inoportuno
Vá embora, desapareça!
Na verdade
Ninguém quer falar
Não há saída
Crueldade
Ter que rastejar
Por uma migalha de vida
[12]
Por uma migalha de vida
Por um respirar, no mar
Um único abraço de mãe
Apenas um gole da bebida
Viver se tornou martírio
Mas ninguém sairá santo
É sofrer só, num canto
Sem esperar alívio
Mas aqui, já de pé
Quando se está no fundo
Não há aonde tu se empurre
Não importa onde é
Resta esticar a mão pro mundo
Esperando que alguém segure
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Esperando que alguém segure
Tão firme quanto sólido
Onde os dedos se misturem
Um do outro, um propósito
Era um ciclo de agonia
Que se quebrou numa dança
Aquele que conseguia
Já sorria de esperança
No cruzamento dos olhares
Nascia uma fagulha
Acendia, até na chuva
Rodopiando pelos ares
Livre, sem patrulha
Sem se perder na curva
[14]
Sem se perder na curva
Na velocidade da empolgação
Existia brilho naquela existência turva
Existia sangue na diástole do coração
No fundo até acha engraçado
Aceita a felicidade de bom grado
Pra quem afogava-se em choro
Sorrir, valia ouro
Agora existe um horizonte
Onde enxerga além
Uma luz desconhecida
Tudo é relevante
Já que corre com alguém
Pra felicidade merecida
[15]
Pressionado em agonia
Não se fazia ouvir
Enquanto a boca fria
Mentia ao sorrir
Ir Embora mais cedo
Pois já não aguento
Entorpecente
Me sinto doente
Me cure
Para se molhar na chuva
Por uma migalha de vida
Esperando que alguém segure
Sem se perder na curva
Para a felicidade merecida.

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